terça-feira, 5 de novembro de 2019

Aventura motorizada



Ganhei uma cadeira motorizada do SUS, mas fiquei ressabiada porque tentei manobrar a bichinha dentro de casa e consegui bater em tudooo. Meio que peguei nojo, como pode um treco que é para facilitar a mobilidade ser tão difícil de pilotar. Larguei-a num canto como se fosse um brinquedo velho, mas essa história mudou logo...

Como no Brasil tudo sobe menos o salário de aposentado, olhei novamente para aquela maquina de destruição das paredes da casa e pensei: Não posso deixar essa cadeira que se acha uma Ferrari ganhar esse jogo! Estufei o peito como se fosse um galo de rinha e peguei a dita cuja para dar uma volta na praça, afinal de contas dentro de casa é complicado de treinar porque é tudo apertado, mal passa a minha cadeira de rodas normal. Gente, vocês não tem noção, foi o máximo, me senti livre como um passarinho no seu primeiro vôo!

Como o teste-drive foi concluído com sucesso, vamos alçar novas aventuras. Resolvi ir ao meu treino de esgrima adaptada, detalhe: SOZINHA! Isso mesmo, chega de depender dos outros para minhas saídas de casa, nós cadeirantes já dependemos muito dos outros, o que eu puder evitar para preservar a minha independência assim vou fazer. E sugiro que todos que são cadeirantes ou tem alguma deficiência tentem ao máximo fazer as coisas sem depender de ninguém, acreditem é renovador!

Montei na fera com motor e desci até a avenida para pegar o ônibus, claro que com uma pontinha de medo, afinal é lomba abaixo e as ruas são muito esburacadas, mas isso não iria me impedir né? Mas por precaução, mandei uma mensagem para minha filha avisando da minha peripécia, também avisei a galera da esgrima, pois devido as minhas ultimas internações fiquei de molho dos treinos.

Glória, cheguei até a parada sã e salva! Subi no elevador do ônibus e rumo ao clube para treinar, o que poderia dar errado, né? Fiz sinal para descer, subi na rampa do elevador e meu coração já batia a mil, cheio de adrenalina por estar fazendo uma das coisas que eu mais sonhava: Ser livre novamente!

Estava eu lá no alto, ansiosamente esperando a rampa do elevador começar a descer, mil emoções passavam em minha mente, mas o que mais forte gritava na minha cabeça era eu CONSEGUI! Lá embaixo a minha espera estava o motorista do ônibus, pois faz parte da segurança ele recepcionar cadeirante e atrás de mim estava o cobrador operando o controle do elevador.

Senti uma sensação estranha passando pelo meu corpo, os segundos congelaram e o espaço tempo pareceu se desintegrar algo deu errado, a rampa do elevador começou a sumir, como se estivesse indo para outra dimensão, o ar ficou pesado, os movimentos pareciam estar lentos e ao fundo escutava as pessoas começando a gritar, pareciam estar falando em câmera lenta. Senti a cadeira literalmente emborcando e eu sem ter onde me agarrar, olhei para o motorista e decidi: Antes eu cair nos braços do motorista que meus dentes beijarem o asfalto, AZARRR!! Sim, a rampa continuou a sumir e a cadeira literalmente caiu comigo junto em cima do motorista, isso tudo ao imenso coro dos passageiros gritando, ela vai cair, segurem ela!

Para quem não entendeu o que aconteceu, foi ridiculamente surreal, o cobrador deve ter tido uma diarreia mental e apertou o botão de recolher a rampa em vez de apertar para descer... Quando parei de cair que nem um jamelão maduro, corri os olhos no meu corpo para ver se estava tudo no lugar, e sim, mas a cadeira quebrou, devido ao grande peso da cadeira, somado aos meus não tão singelos quase 70 kilos, os dois tubos que seguram os pedais, racharam.

Olhei para o motorista, e o homem estava branco, quase um fantasma, ele tremia que nem vara verde, mal conseguia falar, perguntou para mim umas mil vezes se eu estava bem  e se ele não estava fedendo, gente o homem preocupado se estava fedendo? Ele podia estar sujo de bosta que eu nem ia ligar, eu não me esborrachando no cimento já estava no lucro.  Eu bem tranquila acendi meu cigarro enquanto ele fazia a parte burocrática. É gente, todo mundo do ônibus teve que descer, fazer baldeação para outro veiculo, a empresa teve que mandar outro carro, aquele que estávamos teve que ir direto para a garagem para confirmar se estava tudo certo com o carro. Enquanto isso, preencho o boletim de ocorrência, aviso o clube que sofri esse acidente e que não teria como ir treinar, afinal os pezinhos da cadeira estavam bambos, seria arriscado continuar a andar assim. Mandei uma mensagem para a minha guria, avisando que tinha dado merda e eu estava voltando para casa.

Depois de toda a burocracia resolvida, a empresa de ônibus me disse que iria pagar o meu prejuízo, claro eles estavam morrendo de medo que eu processasse eles, afinal foi na verdade uma falha humana que poderia ter me deixado mais aleijada do que já sou ....rsrsrsrsrsrsrs
Chamaram outro ônibus para me levar de volta, subi na rampa toda descoordenada, afinal os pedais quebrados estavam roçando nas rodas quando eu dava ré, imaginem, bem complicado para manobrar. Eu na sofrência tentando manobrar de ré para colocar a cadeira dentro do ônibus e para minha surpresa a cobradora se gruda na minha cadeira tentando ansiosamente “me ajudar” a manobrar, detalhe, a cadeira é motorizada, lembram? Então, ela não anda puxando, não adianta tentar empurrar, olhei para ela e disse: Moça, não adianta tentar me puxar, ela não vai se mexer, tem que ter paciência e me deixar manobrar, ela esta quebrada, por isso está difícil.

Desci do ônibus e pensei, não posso dar ré, é só tocar para frente direto para casa, vai dar certo! Fui rezando até chegar em casa, tenho mais sorte que juízo, no fim não foi nada demais, só um susto, e uns ferrinhos quebrados, logo conto como foi para consertar. O que mais importa é vocês saberem que isso não me abalou, não me intimidou, vou continuar firme no meu projeto INDEPENDÊNCIA! Não me importo de pagar o preço dos riscos, pois a alegria de ir e vir sem depender de ninguém não pode ser um luxo, tem que ser realidade de qualquer pessoa. Gente não tenha medo de viver, a vida é maravilhosa com alegrias e desafios, tudo vale a pena!

Nenhum comentário: