Ganhei uma cadeira motorizada do SUS, mas fiquei ressabiada porque
tentei manobrar a bichinha dentro de casa e consegui bater em tudooo. Meio que
peguei nojo, como pode um treco que é para facilitar a mobilidade ser tão
difícil de pilotar. Larguei-a num canto como se fosse um brinquedo velho, mas
essa história mudou logo...
Como no Brasil tudo sobe menos o salário de aposentado, olhei novamente
para aquela maquina de destruição das paredes da casa e pensei: Não posso
deixar essa cadeira que se acha uma Ferrari ganhar esse jogo! Estufei o peito
como se fosse um galo de rinha e peguei a dita cuja para dar uma volta na
praça, afinal de contas dentro de casa é complicado de treinar porque é tudo
apertado, mal passa a minha cadeira de rodas normal. Gente, vocês não tem
noção, foi o máximo, me senti livre como um passarinho no seu primeiro vôo!
Como o teste-drive foi concluído com sucesso, vamos alçar novas
aventuras. Resolvi ir ao meu treino de esgrima adaptada, detalhe: SOZINHA! Isso
mesmo, chega de depender dos outros para minhas saídas de casa, nós cadeirantes
já dependemos muito dos outros, o que eu puder evitar para preservar a minha independência
assim vou fazer. E sugiro que todos que são cadeirantes ou tem alguma deficiência
tentem ao máximo fazer as coisas sem depender de ninguém, acreditem é
renovador!
Montei na fera com motor e desci até a avenida para pegar o ônibus,
claro que com uma pontinha de medo, afinal é lomba abaixo e as ruas são muito
esburacadas, mas isso não iria me impedir né? Mas por precaução, mandei uma
mensagem para minha filha avisando da minha peripécia, também avisei a galera
da esgrima, pois devido as minhas ultimas internações fiquei de molho dos
treinos.
Glória, cheguei até a parada sã e salva! Subi no elevador do ônibus e
rumo ao clube para treinar, o que poderia dar errado, né? Fiz sinal para
descer, subi na rampa do elevador e meu coração já batia a mil, cheio de
adrenalina por estar fazendo uma das coisas que eu mais sonhava: Ser livre
novamente!
Estava eu lá no alto, ansiosamente esperando a rampa do elevador começar
a descer, mil emoções passavam em minha mente, mas o que mais forte gritava na
minha cabeça era eu CONSEGUI! Lá embaixo a minha espera estava o motorista do ônibus,
pois faz parte da segurança ele recepcionar cadeirante e atrás de mim estava o
cobrador operando o controle do elevador.
Senti uma sensação estranha passando pelo meu corpo, os segundos
congelaram e o espaço tempo pareceu se desintegrar algo deu errado, a rampa do
elevador começou a sumir, como se estivesse indo para outra dimensão, o ar
ficou pesado, os movimentos pareciam estar lentos e ao fundo escutava as
pessoas começando a gritar, pareciam estar falando em câmera lenta. Senti a
cadeira literalmente emborcando e eu sem ter onde me agarrar, olhei para o
motorista e decidi: Antes eu cair nos braços do motorista que meus dentes
beijarem o asfalto, AZARRR!! Sim, a rampa continuou a sumir e a cadeira
literalmente caiu comigo junto em cima do motorista, isso tudo ao imenso coro
dos passageiros gritando, ela vai cair, segurem ela!
Para quem não entendeu o que aconteceu, foi ridiculamente surreal, o
cobrador deve ter tido uma diarreia mental e apertou o botão de recolher a
rampa em vez de apertar para descer... Quando parei de cair que nem um jamelão
maduro, corri os olhos no meu corpo para ver se estava tudo no lugar, e sim,
mas a cadeira quebrou, devido ao grande peso da cadeira, somado aos meus não
tão singelos quase 70 kilos, os dois tubos que seguram os pedais, racharam.
Olhei para o motorista, e o homem estava branco, quase um fantasma, ele
tremia que nem vara verde, mal conseguia falar, perguntou para mim umas mil
vezes se eu estava bem e se ele não estava
fedendo, gente o homem preocupado se estava fedendo? Ele podia estar sujo de
bosta que eu nem ia ligar, eu não me esborrachando no cimento já estava no
lucro. Eu bem tranquila acendi meu
cigarro enquanto ele fazia a parte burocrática. É gente, todo mundo do ônibus teve
que descer, fazer baldeação para outro veiculo, a empresa teve que mandar outro
carro, aquele que estávamos teve que ir direto para a garagem para confirmar se
estava tudo certo com o carro. Enquanto isso, preencho o boletim de ocorrência,
aviso o clube que sofri esse acidente e que não teria como ir treinar, afinal
os pezinhos da cadeira estavam bambos, seria arriscado continuar a andar assim.
Mandei uma mensagem para a minha guria, avisando que tinha dado merda e eu
estava voltando para casa.
Depois de toda a burocracia resolvida, a empresa de ônibus me disse que
iria pagar o meu prejuízo, claro eles estavam morrendo de medo que eu
processasse eles, afinal foi na verdade uma falha humana que poderia ter me
deixado mais aleijada do que já sou ....rsrsrsrsrsrsrs
Chamaram outro ônibus para me levar de volta, subi na rampa toda descoordenada,
afinal os pedais quebrados estavam roçando nas rodas quando eu dava ré,
imaginem, bem complicado para manobrar. Eu na sofrência tentando manobrar de ré
para colocar a cadeira dentro do ônibus e para minha surpresa a cobradora se
gruda na minha cadeira tentando ansiosamente “me ajudar” a manobrar, detalhe, a
cadeira é motorizada, lembram? Então, ela não anda puxando, não adianta tentar
empurrar, olhei para ela e disse: Moça, não adianta tentar me puxar, ela não
vai se mexer, tem que ter paciência e me deixar manobrar, ela esta quebrada,
por isso está difícil.
Desci do ônibus e pensei, não posso dar ré, é só tocar para frente
direto para casa, vai dar certo! Fui rezando até chegar em casa, tenho mais
sorte que juízo, no fim não foi nada demais, só um susto, e uns ferrinhos
quebrados, logo conto como foi para consertar. O que mais importa é vocês
saberem que isso não me abalou, não me intimidou, vou continuar firme no meu
projeto INDEPENDÊNCIA! Não me importo de pagar o preço dos riscos, pois a
alegria de ir e vir sem depender de ninguém não pode ser um luxo, tem que ser
realidade de qualquer pessoa. Gente não tenha medo de viver, a vida é
maravilhosa com alegrias e desafios, tudo vale a pena!
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