segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Túnel da fome



Semana passada o hospital me chamou para fazer a ultima sessão de quimioterapia, detalhe alguns dias antes do casamento, imaginem eu chegando ao altar na cadeira de rodas, toda de branco vomitando nas rendas do vestido e voando grãos de milho nos pés do padre e pedaços de alface no pé do noivo... tragicamente cômico kkk Mas como vocês já sabem, minha vida faz uma mistura deliciosa de tragédias cômicas, com o toque certo de bom humor, porque precisamos ser honestos conosco, afinal nós doentes crônicos, como já diz o nome, não existe cura, é crônico. Mas a forma que encararmos nossa patologia fará toda a diferença da forma que ela irá evoluir, acredite!!

A logística de minhas vindas mensais para o hospital funcionam mais ou menos assim, primeiro dia exames para ver se não estou com nenhuma infecção ativa, segundo, terceiro e quarto dia para fazer a pulsoterapia, no quinto dia, a quimio e no outro dia vou embora. Aqui no hospital eles tem uma tara interessante, tu mal bota os pés no teu leito e já entra as enfermeiras com o maldito “cotonete” para tu passar no c#! Em vez de entrarem no quarto perguntarem se tu esta bem, se precisa de algo, nãooooo... já te dão logo o trem para enfiar no c#! Ai quando não é isso, são elas vindo com a p#rra da injeção de heparina para te massacrar na barriga. É engraçado, elas vem com aquela injeção na mão e com um olhar tipo: “Que os jogos comecem!”

Lá estava eu, já tinha me acomodado, já tinha me esfregado no cotonete do mal, lutado bravamente com a injeção de heparina, sobrevivi aos exames de sangue e urina para poder começar o tratamento. Até que enfermeira entra de sopetão no quarto, como se estivesse sofrendo um ataque terrorista no hospital e me diz que entro em NPO a partir de agora, resumo jejum absoluto. Lá vou eu ficar sem comer até meu estomago descolar da barriga e colar no cérebro, ser gordinha é triste, mal comemos e já estamos sofrendo por antecipação a fome que iremos sentir...

Só conseguia pensar em comida, olhava para meu marido e imaginava que ele era uma salsicha gigante ( sim ele é magro e comprido rsrsrsrsrs), cada enfermeira que entrava no quarto era uma comida diferente, uma tinha cara de coxinha, a outra tinha cara de chocolate e por ai vai a loucura. Bom, resolvi entrar no face, quem sabe me distraio olhando o pessoal se matar por causa de política ou futebol, afinal é só sobre isso que se fala no face nos últimos meses... Ledo engano, acho que as pessoas todas foram possuídas por seres do mal ou talvez  tiveram suas almas devoradas por alienígenas, por que TODAS, sem exceção , até as que odeiam cozinhar, milagrosamente resolveram ir para a cozinha cozinhar e postar maravilhas em suas timelines, era uma enxurrada de pizzas, lasanhas, bolos, doces de tudo que é tipo, e até minha pior fraqueza: chocolates e negrinhos. Resolvi me unir ao inimigo, já que estou com a sensação que na minha ultima encarnação fui uma daquelas crianças raquíticas da África, vou entrar no aplicativo Ifood e vou encarar de frente a minha fome, vou escolher o que vou comer quando voltar do exame, afinal, o que pode dar errado, né?

Estava em duvida entre um bauru que amo, ou pasteis de Belém, esses por culpa da minha fisioterapeuta que está em Portugal e tirou foto comendo essas delicias e postou onde?? No Face, claroooo... ai a gorda aqui fica com desejo de comer. Nesse interim, a enfermeira entra no quarto e me diz que daqui mais ou menos duas horas eles me buscam para fazer o exame. Beleza, esperei passar uma hora e resolvi já pedir, pois o bauru iria levar uma hora de meia para chegar, ai fui concluir a compra e adivinhem? Os dois que eu estava afim já tinham fechado, ai lá foi eu escolher qualquer um afinal... Àquela hora da noite, seria um milagre achar um que estivesse ainda entregando...pedi um xis, uma hora depois chegou o xis, e é lógico que eu ainda não tinha ido para o exame, imaginem eu morrendo de fome e o xis exalando aquele cheiro de carne dentro do quarto todo, delicia :/

Finalmente me buscaram para fazer o exame, chegando lá aquela tortura até conseguir pegar uma veia para fazer o contraste, normal né, além das veias já serem de seda desde que nasci somado aos meses de pulso e quimio terminou de esculhambar com elas. Finalmente entrei no “túnel” para fazer a ressonância, lembrando que eles amarram a gente como se fôssemos um assassino em série com super força, tu não consegue mexer nem os cabelos do c#, mas tudo bem, vai passar logo e meu amado xis estará fiel me esperando.

Gente, eu juro que não usei drogas, não bebi e não comi nenhum cogumelo alucinógeno, mas aquela máquina estava estranha, aquilo não podia ser de Deus.... Primeiro começou  dizendo repetidamente pão, pão, pão, depois de alguns minutos começou a me falar broa, broa, broa, e a fome percorrendo meu corpo como se fosse uma droga se espalhando pelo meu corpo escuto a maquina falar rum, rum, rum... pensei pronto além de morta de fome estou virando alcoólatra! O exame se aproxima do final e o túnel da ressonância começa a sussurrar como se fosse o pacman do vídeo game: Nhock, nhock, nhock até que finalmente ela se desligou e fui retirada do túnel. Isso já era quase três horas da manhã e eu pensando nele...no meu xis que deveria estar ansioso para ser devorado por mim, entro no meu quarto e sou surpreendida pelo meu futuro esposo dormindo ferrado na minha cama, e os dois xis ali em cima da mesa, ambos imaculados, pensei maquiavelicamente em devorar os dois, afinal depois que ele cai no sono nem um terremoto o faz despertar, mas ai pensei no juramento que farei na frente do padre daqui uns dias: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na fome e na pança cheia... o juramento será meu, eu  juro o que eu quiser, alguém contra? Aff, acordei o belo adormecido para comer comigo e agora terei que contar para ele do desafio do túnel da fome o.O

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